Luz, câmera, reflexão!
Em uma linguagem essencialmente visual, a maioria das informações é propagada por meio das fotografias. A Fotografia é uma arte inovadora que conduz à descoberta e avulta o conhecimento.
por Fernanda Sena Silva
Entre as mais espetaculares inovações tecnológicas do século XIX,
podemos mencionar a invenção da Fotografia, que agradou a muitos,
virando moda na França com a popularização do daguerreótipo (nome dado à
fotografia e pelo qual seria conhecido durante décadas), mas enfrentou
duras críticas de artistas que não reconheciam seu caráter artístico. Um
dos críticos, o poeta Charles Pierre Baudelaire (1821-1867) declarou
sua repulsa pela Fotografia em uma carta ao diretor da Revue Française
em 1859: “Daguerre foi seu Messias. E então ela diz a si mesma: ‘Visto
que a Fotografia nos dá todas as garantias desejáveis de exatidão (eles
creem nisso, os insensatos), a Arte é Fotografia’. A partir desse
momento, a sociedade imunda se lança, como um único Narciso, à
contemplação de sua imagem trivial sobre o metal. Uma loucura, um
fanatismo extraordi nário se apodera de todos esses adoradores do sol.”1
O sol relatado pelo poeta é a luz que entra na caixa escura imprimindo a
imagem. Essa inquietação de Baudelaire era com o possível esquecimento
da Arte advindo da automatização e dos avanços tecnológicos da
Fotografia. A Arte consagra-se na sensibilidade e, para os críticos da
época, nesse avanço há um distanciamento da criação e do criador, o
fotógrafo é apenas um assistente da câmera.
As fotos caucionavam uma abundância de detalhes que não eram
vistos nas pinturas e, graças a essa automatização, apresentavam uma
fidelidade ao real. A Fotografia foi criticada por Baudelaire, mas em
momentos posteriores não deixou de conquistá-lo e encantá-lo, fato
constatado em uma carta enviada em 1863 a um grande fotógrafo de seu
tempo, certamente sobre seu próprio retrato: “Manet mostrou- -me
recentemente a Fotografia que trazia com ele à casa de Bracquemond. Eu
lhe felicito, e lhe agradeço. Ela não é perfeita, porque a perfeição é
impossível, mas eu raramente vi algo assim tão bom. Estou envergonhado
de te pedir tantas coisas, e ignoro como eu poderia agradecer-lhe; mas,
caso não tenha destruído esse clichê, faça-me algumas cópias dele.
Algumas! Quer dizer, quantas você puder.”².
Portanto, a Fotografia inaugurou um novo modo de contemplar a
sociedade: contemplar a imagem por meio da ação da luz, da câmera e do
significado que esta nos proporciona.
As imagens fazem parte do mundo, estão no jeitinho brasileiro,
entre as montanhas mineiras, como também nos palácios da Europa, em
Hollywood, nas descobertas japonesas. Fazem parte do dia a dia; toda
informação contida em revistas, jornais, redes sociais é enriquecida com
imagens. Fotografia, em grego, significa escrita da luz: “Diz- -se
muitas vezes que foram os pintores que inventaram a Fotografia (...). E
eu digo: não, foram os químicos (...) ela só foi possível a partir do
dia em que uma circunstância científica (a descoberta da sensibilidade à
luz dos sais de prata) permitiu captar e imprimir diretamente os raios
luminosos emitidos por um objeto diferentemente iluminado”3.
Fotografia é luz que revela o momento e permite o regresso do morto, do
passado através da imagem. E essa foi a primeira descoberta do filósofo
Roland Barthes (1915-1980) ao meditar sobre a imagem fotográfica em sua
obra A câmara clara: “Aquilo que a Fotografia reproduz até ao infinito
só aconteceu uma vez: ela repete mecanicamente o que nunca mais poderá
repetir-se existencialmente”4.
Vilém Flusser (1920-1991) define a Fotografia como “imagem
produzida e distribuída por aparelhos segundo um programa, a fim de
informar receptores”5. A câmera, o aparelho fotográfico, é o
instrumento que captura uma parte da realidade da qual flutuamos e que
passa por inúmeras transformações tecnológicas diante do fascínio do
homem pelo registro visual. O filósofo fala que, diante de tais
transformações, “eis como fotografias são recebidas: enquanto objetos,
não têm valor, pois todos sabem fazê-las e delas fazem o que bem
entendem”6. Portanto, segundo ele, seria inadiável uma
Filosofia da Fotografia: “A Filosofia da Fotografia é necessária porque é
reflexão num mundo programado por aparelhos. Reflexão sobre o
significado que o homem pode dar à vida (...). Assim vejo a tarefa da
Filosofia da Fotografia: apontar o caminho da liberdade”7. E
aqui, o filósofo retrata a importância da reflexão no universo
fotográfico, o homem comandado por aparelhos e pela indústria
fotográfica ”aliena-se” não refletindo sobre sua práxis fotográfica e
sobre as imagens, sendo necessário discerni-las, estabelecer seu valor e
seu real significado.
Em uma linguagem essencialmente visual, que traz significação e
interação entre homem e máquina, a Fotografia, seja no campo
publicitário ou revelada na simplicidade do cotidiano, é Arte inovadora,
Arte e técnica da apreensão rápida de uma circunstância que conduz à
descoberta e avulta o conhecimento. A Arte da sensibilidade que exprime a
beleza das cores, o momento único e singular, que envolve os olhares
presentes e passados, tornando-se essencial apoderarmo- nos desta
técnica: “Reconhecer o fato em si e organizar rigorosamente as formas
visuais percebidas para expressar o seu significado”8.
¹Baudelaire, 1859 apud Entler, 2007, p. 12. ]
²Ibidem, p. 7.
3Roland Barthes, 1980, p. 114.
4Ibidem, p. 17.
4Ibidem, p. 17.
5Vilém Flusser, 1985, p. 39.
6Ibidem, p. 33.
7Ibidem, p. 41.
6Ibidem, p. 33.
7Ibidem, p. 41.
8 Cartier-Bresson, Henri. , v. 1 da série “ e Aperture History of Photography”, Aperture, New York, 1976. Grifo do autor
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