domingo, 9 de fevereiro de 2014

Fotografia e Filosofia

Luz, câmera, reflexão!

Imagem: Shutterstock

Em uma linguagem essencialmente visual, a maioria das informações é propagada por meio das fotografias. A Fotografia é uma arte inovadora que conduz à descoberta e avulta o conhecimento. 
por Fernanda Sena Silva


Entre as mais espetaculares inovações tecnológicas do século XIX, podemos mencionar a invenção da Fotografia, que agradou a muitos, virando moda na França com a popularização do daguerreótipo (nome dado à fotografia e pelo qual seria conhecido durante décadas), mas enfrentou duras críticas de artistas que não reconheciam seu caráter artístico. Um dos críticos, o poeta Charles Pierre Baudelaire (1821-1867) declarou sua repulsa pela Fotografia em uma carta ao diretor da Revue Française em 1859: “Daguerre foi seu Messias. E então ela diz a si mesma: ‘Visto que a Fotografia nos dá todas as garantias desejáveis de exatidão (eles creem nisso, os insensatos), a Arte é Fotografia’. A partir desse momento, a sociedade imunda se lança, como um único Narciso, à contemplação de sua imagem trivial sobre o metal. Uma loucura, um fanatismo extraordi nário se apodera de todos esses adoradores do sol.”1 O sol relatado pelo poeta é a luz que entra na caixa escura imprimindo a imagem. Essa inquietação de Baudelaire era com o possível esquecimento da Arte advindo da automatização e dos avanços tecnológicos da Fotografia. A Arte consagra-se na sensibilidade e, para os críticos da época, nesse avanço há um distanciamento da criação e do criador, o fotógrafo é apenas um assistente da câmera.


As fotos caucionavam uma abundância de detalhes que não eram vistos nas pinturas e, graças a essa automatização, apresentavam uma fidelidade ao real. A Fotografia foi criticada por Baudelaire, mas em momentos posteriores não deixou de conquistá-lo e encantá-lo, fato constatado em uma carta enviada em 1863 a um grande fotógrafo de seu tempo, certamente sobre seu próprio retrato: “Manet mostrou- -me recentemente a Fotografia que trazia com ele à casa de Bracquemond. Eu lhe felicito, e lhe agradeço. Ela não é perfeita, porque a perfeição é impossível, mas eu raramente vi algo assim tão bom. Estou envergonhado de te pedir tantas coisas, e ignoro como eu poderia agradecer-lhe; mas, caso não tenha destruído esse clichê, faça-me algumas cópias dele. Algumas! Quer dizer, quantas você puder.”².

Portanto, a Fotografia inaugurou um novo modo de contemplar a sociedade: contemplar a imagem por meio da ação da luz, da câmera e do significado que esta nos proporciona.
As imagens fazem parte do mundo, estão no jeitinho brasileiro, entre as montanhas mineiras, como também nos palácios da Europa, em Hollywood, nas descobertas japonesas. Fazem parte do dia a dia; toda informação contida em revistas, jornais, redes sociais é enriquecida com imagens. Fotografia, em grego, significa escrita da luz: “Diz- -se muitas vezes que foram os pintores que inventaram a Fotografia (...). E eu digo: não, foram os químicos (...) ela só foi possível a partir do dia em que uma circunstância científica (a descoberta da sensibilidade à luz dos sais de prata) permitiu captar e imprimir diretamente os raios luminosos emitidos por um objeto diferentemente iluminado”3. Fotografia é luz que revela o momento e permite o regresso do morto, do passado através da imagem. E essa foi a primeira descoberta do filósofo Roland Barthes (1915-1980) ao meditar sobre a imagem fotográfica em sua obra A câmara clara: “Aquilo que a Fotografia reproduz até ao infinito só aconteceu uma vez: ela repete mecanicamente o que nunca mais poderá repetir-se existencialmente”4.

Vilém Flusser (1920-1991) define a Fotografia como “imagem produzida e distribuída por aparelhos segundo um programa, a fim de informar receptores”5. A câmera, o aparelho fotográfico, é o instrumento que captura uma parte da realidade da qual flutuamos e que passa por inúmeras transformações tecnológicas diante do fascínio do homem pelo registro visual. O filósofo fala que, diante de tais transformações, “eis como fotografias são recebidas: enquanto objetos, não têm valor, pois todos sabem fazê-las e delas fazem o que bem entendem”6. Portanto, segundo ele, seria inadiável uma Filosofia da Fotografia: “A Filosofia da Fotografia é necessária porque é reflexão num mundo programado por aparelhos. Reflexão sobre o significado que o homem pode dar à vida (...). Assim vejo a tarefa da Filosofia da Fotografia: apontar o caminho da liberdade”7. E aqui, o filósofo retrata a importância da reflexão no universo fotográfico, o homem comandado por aparelhos e pela indústria fotográfica ”aliena-se” não refletindo sobre sua práxis fotográfica e sobre as imagens, sendo necessário discerni-las, estabelecer seu valor e seu real significado.

Em uma linguagem essencialmente visual, que traz significação e interação entre homem e máquina, a Fotografia, seja no campo publicitário ou revelada na simplicidade do cotidiano, é Arte inovadora, Arte e técnica da apreensão rápida de uma circunstância que conduz à descoberta e avulta o conhecimento. A Arte da sensibilidade que exprime a beleza das cores, o momento único e singular, que envolve os olhares presentes e passados, tornando-se essencial apoderarmo- nos desta técnica: “Reconhecer o fato em si e organizar rigorosamente as formas visuais percebidas para expressar o seu significado”8.

¹Baudelaire, 1859 apud Entler, 2007, p. 12. ]
²Ibidem, p. 7.
3Roland Barthes, 1980, p. 114.
4Ibidem, p. 17.
5Vilém Flusser, 1985, p. 39.
6Ibidem, p. 33.
7Ibidem, p. 41.
8 Cartier-Bresson, Henri. , v. 1 da série “ e Aperture History of Photography”, Aperture, New York, 1976. Grifo do autor

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