domingo, 7 de abril de 2013

Por uma Filosofia da Fotografia...




O heroísmo da visão





Os primeiros fotógrafos falavam como se a câmera fosse uma máquina co­piadora; como se, apesar de serem manipuladas por pessoas, fossem as câmeras que vissem. A invenção da fotografia foi acolhida como um meio para ali­viar a sobrecarga da sempre crescente acumulação de informações e impres­sões sensoriais. Fox Talbot (...) [diz] que a idéia da fotografia lhe surgiu em 1833, numa viagem à Itália, viagem que se tinha tornado obrigatória na Inglaterra pa­ra os herdeiros ricos, quando fazia alguns esboços da paisagem no Lago Como. Ao desenhar com a ajuda da câmera escura, um dispositivo que projetava a ima­gem sem a fixar, foi levado a refletir, diz ele, "sobre a inimitável beleza dos qua­dros que a natureza pinta e que a lente da câmera faz incidir no papel 'e a perguntar-se' se seria possível que estas imagens naturais pudessem ser impres­sas de um modo duradouro". A câmera insinuou-se a Fox Talbot como um no­vo modo de registro cujo encanto derivava precisamente da sua impessoalida­de, pois registrava uma imagem "natural", ou seja, uma imagem que se forma­va "pela ação exclusiva da luz, sem qualquer auxílio do lápis do artista".


O fotógrafo era considerado um observador arguto mas imparcial: um escri­tor e não um poeta. Mas, como rapidamente se descobriu que ninguém tira a mesma fotografia da mesma coisa, a suposição de que as câmeras proporciona­vam uma imagem impessoal e objetiva deu lugar à verificação de que as foto­grafias são uma evidência, não só do que ali está mas do que alguém vê, não só um registro mas uma avaliação do mundo. Tornou-se claro que não havia apenas uma atividade simples e unitária chamada visão (registrada e suportada pela câmera), mas também "a visão fotográfica", que era simultaneamente uma nova maneira de as pessoas verem e uma nova forma de atividade.


(...) Porém, rapidamente os viajantes com as suas câmeras assimilaram um leque de assuntos mais vasto do que os lugares famosos e as obras de arte. A visão fotográfica significava uma aptidão para descobrir beleza no que toda a gente vê mas menospreza por demasiado vulgar. Supunha-se que os fotógrafos não se deviam limitar a ver o mundo tal como ele é, incluindo as suas já aclama­das maravilhas; deviam criar interesse, através de novas decisões visuais.

Desde a invenção das câmeras que há um heroísmo peculiar que se espalha pelo mundo: o heroísmo da visão. A fotografia inaugurou um novo modelo de atividade independente que permite a cada pessoa exibir uma determinada sen­sibilidade, única e ávida. Os fotógrafos partiram para os seus safáris culturais, sociais e científicos à procura de Imagens surpreendentes. Iriam apresar o mun­do, por maior que fosse a paciência e desconforto exigidos por essa modalida­de de visão ativa, avaliativa, aquisitiva, gratuita. Afred Stieglitz relata orgulho­samente que agüentou três horas durante uma tempestade de neve, em 22 de fevereiro de 1893, "à espera do momento exato" para tirar a sua célebre foto­grafia "Fifth Avenue, Winter" [5.^ Avenida, Inverno]; o momento exato é aquele em que se podem ver as coisas (especialmente as que toda a gente já viu) de uma maneira nova. Para a imaginação popular, essa busca transformou-se na imagem de marca do fotógrafo. Nos anos 20, o fotógrafo tinha-se tornado um herói moderno, tal como o aviador e o antropólogo, sem ter necessariamente de deixar a sua terra. Os leitores da imprensa popular eram convidados a juntarem-se "ao nosso fotógrafo" numa "viagem de descoberta", visitando no­vos domínios como "o mundo visto de cima", "o mundo visto através da lente ampliadora", "as belezas do quotidiano", "o universo invisível", "o milagre da luz", "a beleza das máquinas", a imagem que pode ser "encontrada nas ruas". A apoteose da vida quotidiana e o gênero de beleza que só as câmeras reve­lam — um ângulo da realidade material que o olhar não pode ver ou não pode normalmente isolar, ou uma panorâmica tirada, por exemplo, a partir de um avião — são as principais metas da campanha do fotógrafo. Por momentos, o grande plano pareceu ser o método visual mais original da fotografia. Os fotó­grafos verificaram que, quanto mais de perto captavam a realidade, mais mag­níficas eram as formas que surgiam. Nos princípios da década de 40 do século passado, o versátil e engenhoso Fox Talbot não se limitou a compor fotografias a partir dos gêneros da pintura — retrato, cenas domésticas, paisagens urba­nas, paisagens rurais, naturezas mortas —, mas utilizou também a sua câmera para fotografar uma concha, as asas de uma borboleta (ampliadas com a ajuda de um microscópio solar), duas prateleiras de livros do seu escritório. Mas essas imagens são ainda reconhecíveis como uma concha, asas de borboleta e livros. Quando a visão vulgar foi ainda mais desrespeitada e o objeto, isolado dos seus contextos, se tornou abstrato, surgiram novas convenções sobre a beleza. O be­lo passou a ser justamente aquilo que os olhos não vêem ou não podem ver: essa visão fragmentada, desorganizada que só a câmera proporciona.


SONTAG, Susan. Ensaios sobre fotografia. Lisboa, Don Quixote, 1986. p. 84-87.





"Minhas" visões fotográficas...

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