domingo, 11 de novembro de 2012

E no encanto por fotografias, poesias e filosofia...







O encontrar novas possibilidades, re-inventar através das imagens, refletir com as poesias: uma educação visual por entre literatura, fotografia e filosofia.



**Alik Wunder – Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)



Sobre velhas fotografias, com um lápis, a velha portuguesa desenhava outras imagens. Às vezes, recortava-as com uma tesourinha e colava as figuras de umas fotos nas outras. Era como se movesse o passado dentro de presente. - Olha, vês? Este é meu tio. Foi quando ele veio cá visitar-nos. Um tal parente jamais tivera em África. Mas eu nem ousava desmentir. As fotos recompostas traziam novas verdades a uma vida feita de mentiras (COUTO, 1998, p.91).

As palavras colhidas dos romances de Mia Couto por vezes parecem rivalizar-se. Na finalização do trecho do romance “Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra”, citado acima, o personagem diz: “afinal fotografias são sempre mentiras” (2003, p.50); e em “Terra Sonâmbula”, o narrador afirma: “as fotos recompostas trazem novas verdades” (1998, p.91). As fotos-mentiras-novas-verdades de Mia Couto criam o que Susan Sontag chama de posses imaginárias de um passado irreal (SONTAG, 1984, p.19), ligadas e desligadas do tempo cronológico por um “ponto de indiscernibilidade” (DELEUZE, 1990). Esta potência ambígua da fotografia também aparece, de forma mais sutil, nos poemas de Fernando Pessoa e Carlos Drummond de Andrade, inseridos dentro da lógica moderna da fotografia como retenção do visto. Drummond, entre tantas afirmações evidenciais, diz do “puro enigma das imagens” (1996, p.63). Alberto Caeiro descreve fotograficamente um sonho. Bernardo Soares, ao mesmo tempo em que afirma, interroga o efeito de realidade da fotografia, ora a reconhece como “certeza que não erra” (p.90) e ora como impregnação de “mistério e desassossego” (p.193). Tensões poéticas que, como a filosofia de Deleuze e os estudos contemporâneos da imagem, convidam a pensar a fotografia no interior do desequilíbrio, da imprecisão e do desassossego entre ficção e realidade. Compreendendo as fotografias e as palavras como uma constante ficção, imersas no desejo de fixação do real, apostamos em criações imagéticas que se façam não somente como desejo de marcar os sentidos do vivido, mas também pelos espaços vazios que se produzem nos encontros com seres/coisas/imagens. A imagem não somente como expressão visual das experiências, mas ela própria como um espaço de experiência.
Manoel de Barros em seus “Ensaios fotográficos” brinca de fotografar o silêncio, o “sobre”, uma metáfora, o vento (2002). Suas palavras partem da assunção da impossibilidade de representar o mundo: “que os poetas podem refazer o mundo por imagens, por aflúvios, por afetos” (BARROS, 2002, p.23). Cria imagem que não representam, são. No interior do desejo de dar forma concreta ao mundo, um vento. Dentro da certeza fria da lente, um mistério. Pela potência documental, a força expansiva e fugidia de um enigma, um perfume que foge, aflúvios. O não apreensível que deixa passar devires. Escritos que arrastam a fotografia para uma força de poesia: “Assim é a poesia, exprimindo na linguagem todos os acontecimentos em um [...]. A linguagem como sendo ela própria um acontecimento único” (DELEUZE, 2003, p. 190). Seus gestos de fotografar com palavras deixam sempre a abertura para uma fuga, como “as formas de uma voz(BARROS, 2002, p.27). E neste justo espaço de vento que sempre escapa, suas palavras vivem e geram vida, engravidam o tempo nas imagens fotográficas.

Queria transformar o vento./Dar ao vento uma forma concreta e apta a foto./Eu precisava pelo menos de enxergar uma parte física do vento: uma costela, o olho.../Mas a forma do vento me fugia que nem as formas de uma voz.../Quando se disse que o vento empurrava a canoa do índio no barranco/Imaginei um vento pintado de urucum a empurrar a canoa do índio para o barranco./Mas esta imagem me pareceu imprecisa ainda./Estava quase a desistir quando lembrei do menino montado no cavalo do vento – que lera em Shakespeare./Imaginei as crinas soltas do vento a disparar pelos prados./Fotografei aquele vento de crinas soltas (BARROS, 2002, p.27)




Fotografei aquele vento de crinas soltas.

2 comentários:

  1. Gostei demais do seu Blog,sou tb uma apaixonada por fotografias e poemas .
    Agradeceida e grande abraço Thaís Niuber

    ResponderExcluir
  2. Olá Thaís! Agradeço sua visita...Fotografia e poesia: o olhar e a sensibilidade que enriquecem nosso viver! Grande abraço!!!

    ResponderExcluir