O encontrar novas possibilidades,
re-inventar através das imagens, refletir com as poesias: uma educação visual por entre literatura, fotografia e filosofia.
**Alik Wunder – Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
Sobre velhas
fotografias, com um lápis, a velha portuguesa desenhava outras imagens. Às
vezes, recortava-as com uma tesourinha e colava as figuras de umas fotos nas
outras. Era como se movesse o passado dentro de presente. - Olha, vês? Este é
meu tio. Foi quando ele veio cá visitar-nos. Um tal parente jamais tivera em
África. Mas eu nem ousava desmentir. As fotos recompostas traziam novas
verdades a uma vida feita de mentiras (COUTO, 1998, p.91).
As
palavras colhidas dos romances de Mia Couto por vezes parecem rivalizar-se. Na
finalização do trecho do romance “Um rio chamado tempo, uma casa chamada
terra”, citado acima, o personagem diz: “afinal fotografias são sempre
mentiras” (2003, p.50); e em “Terra Sonâmbula”, o narrador afirma: “as fotos
recompostas trazem novas verdades” (1998, p.91). As
fotos-mentiras-novas-verdades de Mia Couto criam o que Susan Sontag chama de
posses imaginárias de um passado irreal (SONTAG, 1984, p.19), ligadas e
desligadas do tempo cronológico por um “ponto de indiscernibilidade” (DELEUZE,
1990). Esta potência ambígua da fotografia também aparece, de forma mais sutil,
nos poemas de Fernando Pessoa e Carlos Drummond de Andrade, inseridos dentro da
lógica moderna da fotografia como retenção do visto. Drummond, entre tantas
afirmações evidenciais, diz do “puro enigma das imagens” (1996, p.63). Alberto
Caeiro descreve fotograficamente um sonho. Bernardo Soares, ao mesmo tempo em
que afirma, interroga o efeito de realidade da fotografia, ora a reconhece como
“certeza que não erra” (p.90) e ora como impregnação de “mistério e desassossego”
(p.193). Tensões poéticas que, como a filosofia de Deleuze e os estudos
contemporâneos da imagem, convidam a pensar a fotografia no interior do
desequilíbrio, da imprecisão e do desassossego entre ficção e realidade.
Compreendendo as fotografias e as palavras como uma constante ficção, imersas
no desejo de fixação do real, apostamos em criações imagéticas que se façam não
somente como desejo de marcar os sentidos do vivido, mas também pelos espaços
vazios que se produzem nos encontros com seres/coisas/imagens. A imagem não
somente como expressão visual das experiências, mas ela própria como um espaço
de experiência.
Manoel de Barros em seus “Ensaios
fotográficos” brinca de fotografar o silêncio, o “sobre”, uma metáfora, o vento
(2002). Suas palavras partem da assunção da impossibilidade de representar o
mundo: “que os poetas podem refazer o mundo por imagens, por aflúvios, por
afetos” (BARROS, 2002, p.23). Cria imagem que não representam, são. No interior
do desejo de dar forma concreta ao mundo, um vento. Dentro da certeza fria da
lente, um mistério. Pela potência documental, a força expansiva e fugidia de um
enigma, um perfume que foge, aflúvios. O não apreensível que deixa passar
devires. Escritos que arrastam a fotografia para uma força de poesia: “Assim é
a poesia, exprimindo na linguagem todos os acontecimentos em um [...]. A
linguagem como sendo ela própria um acontecimento único” (DELEUZE, 2003, p.
190). Seus gestos de fotografar com palavras deixam sempre a abertura para uma
fuga, como “as formas de uma voz” (BARROS, 2002, p.27). E neste justo
espaço de vento que sempre escapa, suas palavras vivem e geram vida, engravidam
o tempo nas imagens fotográficas.
Queria transformar o vento./Dar ao vento uma forma concreta e apta
a foto./Eu precisava pelo menos de enxergar uma parte física do vento: uma
costela, o olho.../Mas a forma do vento me fugia que nem as formas de uma
voz.../Quando se disse que o vento empurrava a canoa do índio no
barranco/Imaginei um vento pintado de urucum a empurrar a canoa do índio para o
barranco./Mas esta imagem me pareceu imprecisa ainda./Estava quase a desistir
quando lembrei do menino montado no cavalo do vento – que lera em
Shakespeare./Imaginei as crinas soltas do vento a disparar pelos
prados./Fotografei aquele vento de crinas soltas (BARROS, 2002, p.27)
Fotografei aquele vento de crinas soltas. |
Gostei demais do seu Blog,sou tb uma apaixonada por fotografias e poemas .
ResponderExcluirAgradeceida e grande abraço Thaís Niuber
Olá Thaís! Agradeço sua visita...Fotografia e poesia: o olhar e a sensibilidade que enriquecem nosso viver! Grande abraço!!!
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